Quando foi lançado em 4 de fevereiro de 2004, o Facebook tinha como inspiração aqueles livros impressos pelas instituições de ensino que traziam estampados os rostos dos alunos, e cuja única finalidade era fazer todos se conhecerem melhor. A plataforma, que no início se restringia à avaliação de cada estudante por outros usuários baseando-se apenas em fotos, hoje tornou-se a maior rede social do mundo, com 1,6 bilhão de usuários — 99 milhões só de brasileiros —, tão complexa e multifacetada que pouco lembra os seus primórdios. Se àquela época essa plataforma servia como pretexto para a socialização, exigindo pouco de seus usuários, agora demanda habilidades específicas para navegar as águas turvas de suas conexões e perfis, sob o risco de naufragar num turbilhão de conteúdos e informações nem sempre saudáveis.
Assim como o Facebook, outras redes como o Twitter, Instagram, Whatsapp e afins cresceram a desenvolveram características próprias, cabendo ao usuário adaptar-se a elas conforme as peculiaridades de cada uma. Todas essas redes, sem exceção, trazem prós e contras para quem as utiliza, e numa época turbulenta como a nossa — com guerras, conflitos, polêmicas e polarizações ideológicas de todo o tipo —, poucas pessoas conseguem escapar de experiências psicologicamente estressantes no dia a dia dessas ferramentas. Sobretudo pela hiperconexão proporcionada às pessoas, fazendo circular ideias, pensamentos e perfis que, tempos atrás, passariam batidos, a presença incontornável das redes sociais em nossa vida exige alguns cuidados. O primeiro deles diz respeito à maneira como interagimos com outras pessoas.
Segundo o psicólogo Fábio Guimarães, em que se pese a eficácia dessas plataformas para a troca de conhecimentos, fortalecendo laços e ideias em torno de afinidades, é preciso evitar interações destrutivas.
“Algumas pessoas usam essas ferramentas para despertar ódio, bullying, preconceitos, diminuindo a autoestima e a felicidade do outro. São condutas antissociais que causam sérios prejuízos emocionais e psíquicos para a pessoa que sofreu a conduta indesejada, colocando em risco a saúde mental do agredido e o agressor”, explica.
Para Guimarães, devemos nos policiar ao participarmos da vida social dessas redes, evitando ficar apenas dentro dessa “bolha”. “Existe o mundo lá fora, as pessoas reais. Ficar somente no mundo virtual pode ocasionar graves problemas psicológicos e colocar em risco nosso bem-estar”, afirma.
Uma boa forma de mensurar o tempo que você passa nas redes sociais é comparar esse tempo ao de sua vida no “mundo real”. De acordo com a psicóloga Marisa de Abreu Alves, é como se o tempo que passamos conectado nas redes fosse equivalente a estar numa festa.
“Passar mais tempo nas redes sociais do que passaria numa festa, por exemplo: uma pessoa pode ter o costume de ir a uma festa por semana e ficar quatro horas nela, logo este seria um bom indício de permanência por semana nas redes sociais, pois significa que estaria fazendo o mesmo, ou seja, relacionando-se com pessoas”, explica Marisa.
Mas se essas plataformas são como festas onipresentes, que se pode “curtir” de qualquer lugar (desde que haja conexão à internet, claro), brigas e desentendimentos também são comuns. Não chega a ser novidade o uso deletério dessas mídias na sociedade. Diante das exigências dos novos tempos, com os desafios trazidos pelas novas realidades tecnológicas, educadores até cunharam o termo “cyberbullying” para designar condutas abusivas e destrutivas contra jovens praticadas no âmbito virtual. Volta e meia casos de suicídios de adolescentes humilhados são registrados pelos noticiários, o mais recente deles sendo o de uma jovem do Texas, nos EUA, que se matou com um tiro na frente dos pais após ter sofrido assédio generalizado nas redes. Em outros casos igualmente extremos, a divulgação online de fotos comprometedoras de um casal após a separação — prática conhecida como porn revenge — não raro leva à destruição do indivíduo (sobretudo mulheres), com graves danos psicológicos decorrentes da exposição pública de sua intimidade.
Entre as recomendações para uma “existência” mais sadia e pacífica nas redes, Fábio Guimarães sugere que utilizemos sempre o bom-senso:
“Não participar de grupos destrutivos, aqueles que falam sobre mortes, abusos, etc.; não expor suas angústias, e nesse caso é melhor procurar ajuda profissional; não se deixar levar por comentários ofensivos, é melhor ignorá-los, afinal o que a pessoa sabe de você? E não se vitimizar, seja por fotos ou mensagens, pois isso pode te anular, agindo como uma espécie de autossabotagem”, recomenda o psicólogo.
Há também prejuízos mais imediatos e palpáveis na vida real de uma pessoa viciada em redes sociais — sobretudo das que fazem mal uso delas —, e que canalizam toda a sua energia nessas atividades virtuais em detrimento da sua existência no mundo real. Nesses casos, é importante estabelecer pausas e limites diários para o tempo despendido nessas plataformas.
“Esse vício leva a consequências negativas na vida da pessoa, como por exemplo: prejuízos na escola, na faculdade, no trabalho, descuido consigo mesmo ou com os filhos, conflitos familiares, entre outros males. A pessoa também pode ter sintomas de abstinência, irritabilidade, impaciência, inquietude, alterações de humor, ansiedade e tristeza”, explica Carlos Costa.
Como antídoto a essa overdose de interatividade muitas vezes vazia, Costa propõe uma espécie de rehab (reabilitação, em inglês) em relação aos dispositivos eletrônicos e seus apps sociais. Entre suas recomendações, ele sugere como forma de controle “desabilitar as notificações dos aplicativos do smartphone, de modo que essa pessoa só o olhe quando quiser, e não porque foi notificada; outra dica é desligar a internet quando for ler um livro, assistir a uma aula ou um filme, por exemplo; para quem é muito ansioso, vale começar a estabelecer intervalos de tempo para checar as atualizações de suas redes sociais, como ver as notificações a cada duas horas ou apenas uma vez no período da manhã, uma à tarde e uma à noite”, sugere.
É importante ter em mente que, embora as redes sociais tenham-se tornado parte indissociável de nossas vidas, haja vista o poder de comunicação e conhecimento com o qual nos municia, seu mal uso pode ter consequências graves para a nossa saúde mental. A cada atualização somos colocados diante de novos contextos e circunstâncias, fazendo com que tenhamos de nos adaptar a essas linguagens em espaços de tempo cada vez mais curtos. Daí podermos dizer que estamos todos no mesmo barco quando o assunto são essas redes, ao que todos os dias descobrimos juntos como utilizá-las melhor, tarefa essa que não está livre de erros. Na dúvida, opte sempre pela prudência na hora de se manifestar nas redes, não hesitando em evitar fontes de contato e de informação que lhe causem tristeza ou ansiedade. Lembre-se: mídias sociais não devem ser usadas como válvulas de escape para os seus problemas. Nessas horas, menos vale mais.
Yahoo
30/01/2017