No final dos anos 1980 e início dos anos 1990, o Brasil enfrentava uma grave crise econômica, marcada pela hiperinflação que corroía o poder de compra dos cidadãos. O cenário era alarmante: preços reajustados diariamente e um índice inflacionário que atingiu níveis inéditos. Em meio a esse caos, o governo que se encerrava, sob o comando de José Sarney, passava o bastão para Fernando Collor de Mello, primeiro presidente eleito pelo voto direto após o golpe de 1964. A expectativa era de que sua equipe econômica adotasse medidas drásticas para conter a inflação desenfreada.
De acordo com reportagem da Folha de S.Paulo de 13 de março de 1990, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) previa uma inflação de 89,6% para aquele mês. O índice final foi de 82,39%, a maior variação mensal já registrada pelo IBGE. Diante desse quadro crítico, a necessidade de intervenção estatal tornou-se inevitável.
No dia seguinte, os jornais anunciavam um feriado bancário de três dias, um prenúncio das medidas que estavam por vir. O governo recém-empossado já articulava uma ação de grande impacto: o Plano Brasil Novo, popularmente conhecido como Plano Collor. No dia 16 de março, a ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello, anunciou um pacote de medidas radicais, incluindo o congelamento de preços e um dos atos mais controversos da história econômica brasileira: o confisco da poupança.
O confisco, tecnicamente chamado de “bloqueio da liquidez”, limitou os saques bancários a 50 mil cruzeiros (equivalentes a cerca de US$ 1.300 na época). Qualquer valor acima desse montante foi bloqueado, sendo devolvido aos correntistas em 12 parcelas ao longo de 18 meses, corrigidas monetariamente e com juros de 6% ao ano. A decisão gerou revolta entre os brasileiros, que perderam acesso imediato às suas economias.
A justificativa do governo era de que a retirada abrupta do dinheiro de circulação ajudaria a conter a hiperinflação, reduzindo a demanda e, consequentemente, a alta dos preços. “A ideia do confisco era diminuir drasticamente a liquidez da economia para estabilizar os preços”, explicou o economista Odilon Guedes Pinto Júnior à BBC News Brasil. Na visão dos formuladores do plano, sem dinheiro em circulação, as empresas seriam obrigadas a reduzir preços para manter as vendas.
No entanto, os efeitos do confisco foram devastadores. Empresários, trabalhadores e aposentados viram suas reservas financeiras congeladas, o que resultou no fechamento de milhares de negócios e agravou a recessão econômica. A confiança no sistema financeiro brasileiro foi profundamente abalada, e os impactos dessa decisão foram sentidos por décadas.
A economista Cristina Helena Pinto de Mello, professora da PUC-SP, avalia que o confisco foi mais uma “intempestividade” do que uma medida bem planejada. Segundo ela, o governo buscava conter a hiperinflação, mas a medida teve consequências desastrosas. “Os bancos estavam altamente endividados com o setor público e, ao perceberem a fragilidade do governo, começaram a exigir juros mais altos. Quando o governo viu que não conseguiria arcar com os pagamentos, optou por bloquear os ativos”, explica.
A crise econômica brasileira da época era resultado de anos de descontrole fiscal e políticas econômicas ineficazes. Antes do Plano Collor, outros planos tentaram conter a inflação sem sucesso, como o Plano Cruzado e o Plano Verão. O problema, segundo especialistas, era a inflação inercial, em que os preços eram reajustados automaticamente, perpetuando o ciclo inflacionário.
Com o fracasso do Plano Collor e a crescente insatisfação popular, o governo de Fernando Collor sofreu forte desgaste. Em 1992, denúncias de corrupção levaram ao impeachment do presidente, encerrando sua gestão de forma conturbada. O impacto do confisco da poupança, no entanto, continuou sendo lembrado como um dos episódios mais traumáticos da economia brasileira, deixando marcas profundas na relação da população com o sistema financeiro e a política econômica do país.