Em meio a essa complexa rede de emoções, casais formam-se, buscando satisfação mútua, mas frequentemente cometem o erro de permitir que a chama do desejo se apague. O sexo, que no início é vibrante, com o passar do tempo pode transformar-se em mera rotina ou, no melhor cenário, em um escape ocasional para a liberação de tensões acumuladas. Esse tipo de interação erótica, rápida e sem envolvimento, beira a banalidade, quase um ato mecânico que carece do ardor e da paixão de outrora.
O espetáculo “A Coleção”, com texto de Harold Pinter e direção de Esther Góes, mergulha de cabeça na análise desses relacionamentos, submergindo em aspectos profundos do comportamento humano. Sem fornecer respostas diretas, a peça incita a imaginação do espectador, que se vê diante de um enredo intrigante: uma mulher casada viaja para um evento de moda, cruza olhares com um homem também casado. Ambos se entregam à luxúria, livres da vigilância matrimonial, em um hotel onde os instintos carnavais ganham vida.
Após o suplício dos prazeres, a tensão retorna com um telefonema do marido. A quietação habitual é interrompida e, em casa, a confrontação é inevitável. O diálogo entre afetos expõe uma mulher que revela minúcias de sua traição, ao mesmo tempo em que triunfa sarcasticamente sobre o marido. O homem, tomado pelo ciúme, exige descobrir a identidade e os detalhes do amante, submergindo ambos em um jogo sádico de revelações e tormento.
O enredo se desenrola, com o marido persistindo em arrancar a verdade do “outro” homem, que inicialmente nega qualquer envolvimento, mas eventualmente cede, apenas para reverter tudo ao final, alegando que tudo não passou de um devaneio da mulher. A plateia, então, é deixada para lidar com os resíduos emocionais expostos pelos personagens.
A trama de “A Coleção” não é rompante de novidade, mas uma reflexão crua sobre nossas tentativas falhas de controlar o outro, desvelando a vulnerabilidade humana diante do amor, desejo e ciúme. A peça evidencia o paradoxo de buscarmos detalhes dolorosos ao que nos é insuportável, expondo nosso emocional menos nobre e mais comum do que gostaríamos de admitir. É um espelho, refletindo a luta universal entre a razão e as pulsões mais primitivas que coabitam em cada um de nós.