Os pesquisadores alertam que o total de casos pode ser ainda maior devido à subnotificação e à ausência de dados de estados como Acre, Bahia e Pernambuco em pelo menos um dos anos analisados. Estudos anteriores demonstram que apenas 8,5% dos casos de violência sexual são notificados às autoridades, sugerindo uma subnotificação significativa.
O perfil traçado pelo relatório aponta predominantemente para vítimas do sexo feminino, que representam 87,3% dos casos. Notavelmente, 48,3% das vítimas tinham entre 10 e 14 anos, e 52,8% eram identificadas como negras. As taxas de crescimento em todas as faixas etárias são preocupantes: 23,5% para crianças de até 4 anos, 17,3% para aquelas entre 5 e 9 anos, 11,4% no grupo de 10 a 14 anos, e 8,4% para adolescentes de 15 a 19 anos.
Além das estatísticas de violência sexual, o relatório também aponta uma alarmante prevalência de estupros. Para cada grupo de 100 mil adolescentes até 19 anos, a taxa de vítimas femininas é de 131, enquanto a taxa para meninos é de 19,9. Dessa forma, uma menina tem sete vezes mais probabilidade de ser vítima deste tipo de violência em comparação aos meninos. Em 67% dos casos, a violência ocorre no ambiente doméstico e 85,1% dos agressores são conhecidos da vítima.
O documento aponta para consequências adicionais da violência sexual, destacando que de 2021 a 2023, 117 mil meninas com menos de 14 anos foram estupradas, uma média de 39 mil por ano. Muitas dessas vítimas, além de enfrentar os traumas psíquicos da violência, também lidam com gravidezes indesejadas. Dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus) confirmam 31.749 nascimentos de mães entre 10 e 14 anos no biênio 2021-2022.
O estudo critica o Projeto de Lei 1904/2024, que qualifica abortos realizados após 22 semanas como homicídio, mesmo em casos de estupro. Segundo o relatório, essa legislação poderia forçar jovens vítimas de estupro a enfrentarem gravidezes precoces e indesejadas, ou puni-las com medidas socioeducativas, e até prisão, caso tenham mais de 18 anos.
Para enfrentar este quadro alarmante, Ana Carolina Fonseca, oficial de Proteção contra Violências do Unicef, sublinha duas direções de ação essenciais: a vigilância constante de profissionais que interagem com crianças pequenas e a educação sexual abrangente. Fonseca enfatiza que, muitas vezes, adultos fora do ambiente familiar são os primeiros a identificar sinais de violência sexual. Ela conclama por uma educação robusta sobre o corpo, direitos e proteção, para que crianças e adolescentes reconheçam e denunciem abusos.