Este levantamento meticuloso considera tanto os despejos judicializados quanto os processos administrativos promovidos pelo poder público, abrangendo casos de remoção forçada de indivíduos e comunidades inteiras. Raquel Ludermir, gerente de Incidência Política da Habitat para a Humanidade Brasil, apontou que o incremento significativo nos despejos após outubro de 2022 se deve ao fim da suspensão determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) durante a pandemia de covid-19. “Até esse momento, vários casos ficaram represados por essa determinação do STF. Depois disso, a gente teve a liberação, e os despejos voltaram a ser legais”, explicou Ludermir.
Outro fator crucial para o aumento dos despejos é o impacto econômico da pandemia, que agravou a pobreza e elevou o custo de vida. “Muitas pessoas recorreram a ocupações devido ao empobrecimento e ao aumento do custo de vida, comprometendo até mesmo a alimentação para pagar o aluguel”, ressaltou Ludermir, evidenciando a precariedade enfrentada pelas famílias.
O levantamento também delineou um perfil das vítimas: majoritariamente pessoas pretas e pardas (66,3%), mulheres (62,6%) e indivíduos que ganham até dois salários mínimos (74,5%), refletindo um quadro socioeconômico vulnerável. Além disso, cerca de 267 mil crianças e 262 mil idosos foram afetados pelas remoções, demonstrando a gravidade do problema em diferentes faixas etárias.
A Campanha Nacional Despejo Zero estima que os números são subestimados, pois a pesquisa não abrange a população em situação de rua e pessoas ameaçadas por desastres socioambientais. Das vítimas mapeadas, 333.763 correspondem a famílias ameaçadas, 42.098 a famílias despejadas e 78.810 a famílias com despejo suspenso temporariamente.
São Paulo desponta como a região mais afetada, com 90.015 famílias ameaçadas e 9.508 despejadas. Pernambuco e Amazonas também figuram entre os estados com maiores números de despejos e ameaças, destacando a abrangência nacional do problema.
Raquel Ludermir identificou duas principais causas para as remoções: a reintegração de posse e grandes obras realizadas pelo poder público. Em meio à retomada das grandes obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Ludermir enfatizou a necessidade de repensar os impactos dessas intervenções na população vulnerável. “A obra pública não pode nunca aumentar o déficit habitacional ou o problema da moradia no país”, alertou.
A especialista defende a implementação de uma política nacional de mediação de conflitos fundiários, com esforços interministeriais, além de criticar propostas legislativas que marginalizam ainda mais a população vulnerável. “Há propostas que estabelecem que pessoas ocupando imóveis percam seus direitos a programas sociais, o que é uma tentativa de punir duplamente quem já está em situação de vulnerabilidade”, afirmou.
A íntegra do levantamento pode ser acessada no site da campanha Despejo Zero, proporcionando um panorama detalhado dessa crise habitacional que atinge milhões de brasileiros.