A intermediação da Turquia foi fundamental para o êxito da negociação, conduzida em um dos piores momentos das relações entre EUA e Rússia. Segundo uma apuração do jornal alemão Zeit, as conversas começaram em 2022, quando os Estados Unidos propuseram à Alemanha uma lista de doze prisioneiros que interessavam à Rússia, incluindo Vadim Krasikov, condenado à prisão perpétua pelo assassinato de um militante checheno em Berlim, em 2019. Embora o Kremlin nunca tenha assumido a responsabilidade pelo ataque, as investigações alemãs sugeriram a participação de Moscou.
O governo alemão mostrou relutância em liberar Krasikov devido a seus antecedentes criminais. Essa hesitação se intensificou após a detenção de Evan Gershkovitch, jornalista cuja inclusão nas negociações foi debatida, mas não concretizada inicialmente. A lembrança do caso Navalny, que após ser envenenado com uma substância química foi tratado na Alemanha e escolheu retornar à Rússia apenas para ser preso novamente, também influenciou o processo.
Conforme as negociações avançaram para o nível de chefes de Estado, com o presidente americano Joe Biden e o chanceler alemão Olaf Scholz dando o aval para prosseguir, novos nomes entraram na mesa de discussões, incluindo Kara-Murza. Embora não tenha o mesmo apelo midiático de Navalny, Kara-Murza é uma figura importante da oposição russa, tendo sobrevivido a duas tentativas de envenenamento e cumprindo pena de 25 anos por divulgar informações falsas sobre o Exército russo e ser afiliado a uma “organização indesejável”.
A troca de prisioneiros representa um movimento estratégico de Vladimir Putin, que tem o histórico de proteger e recuperar agentes dedicados ao regime russo. De acordo com Angelo Segrillo, professor de História da Universidade de São Paulo, esta negociação relembra práticas usadas durante a União Soviética, ao mandar dissidentes para o exterior em trocas de prisioneiros.
O acordo é visto com diferentes perspectivas. Enquanto algumas autoridades russas podem interpretar a troca como um sinal da disposição ocidental para pactos pragmáticos, no Ocidente, ela reforça a percepção da Rússia como um perigo constante. Especialistas como Anton Shekhovtsov alertam que a inclusão de figuras como Krasikov poderia facilitar novos ataques a dissidentes fora da Rússia, evidenciando um dilema moral no manejo diplomático.
A manutenção deste diálogo entre Rússia e Ocidente, entretanto, é um sinal positivo para alguns analistas, que veem na troca de prisioneiros um reflexo da “fadiga de guerra” e uma tentativa de desatar nós diplomáticos que poderiam, eventualmente, beneficiar negociações de paz, mesmo que os resultados sejam incertos e insatisfatórios para ambas as partes envolvidas.