A fortuna da discórdia



Uma coleção de arte avaliada em US$ 3 bilhões está no centro de uma batalha judicial entre dois herdeiros, um leiloeiro e empresas offshore. Conheça os bastidores da disputa pelos bens do casal Goulandris

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A coleção de arte do casal grego Basil e Elise Goulandris já foi exposta em museus e galerias no mundo inteiro. Avaliada em US$ 3 bilhões, ela conta com 83 obras, composta por quadros e esculturas de mestres como Picasso, Van Gogh, Miró, entre outros ícones. Mas, desde 2000, quando Elise morreu – Basil havia falecido em 1994 –, o acervo passou a figurar nas páginas policiais. Não apenas porque mais de uma dezena de obras sumiram, mas também porque três pessoas dizem ter direito a uma parte dessa fortuna. Nessa batalha há, ainda, empresas panamenhas envolvidas em escândalos em torno do acervo dos Goulandris.

A disputa, que é protagonizada pela sobrinha do casal, Aspasia Zaimis, pelo sobrinho Peter J. Goulandris e pelo curador Kyriakos Koutsomallis, colocou também as empresas Wilton Trading S/A e Mossack Fonseca em uma complexa investigação criminal. Esse quebra-cabeça, que poderia, sem dúvida, ser roteiro de filmes de Alfred Hitchcock, esquentou nos últimos meses. Desde a morte de Elise, a coleção tem causado confusão. O casal não teve filhos e Elise deixou apenas um testamento manuscrito em grego e cheio de enigmas, dificultando a resolução desse caso.

“Assim como pela lei brasileira, na Suíça, em caso de morte de um casal sem filhos, a herança é transmitida aos ascendentes”, garante o advogado Guilherme Bechara, do escritório Demarest Advogados. “Na ausência de ascendentes diretos, a sucessão é deferida aos colaterais, isto é, aos parentes não em linha reta, como tios, sobrinhos e primos”, diz Newton Marzagao, sócio do mesmo escritório. Além da disputa pelas obras, há indícios de fraudes em partes do processo. Depois da morte do casal, uma empresa com sede no Panamá, a Wilton Trading, de propriedade de Maria Goulandris, esposa do irmão mais velho de Basil, apresentou à Justiça um documento que supostamente comprovaria que todo o acervo havia sido vendido a ela em 1985 – alegação que não convenceu as outras partes envolvidas no imbróglio.

O valor da venda, segundo o documento, foi de US$ 31,7 milhões – pouco mais de 1% do preço atual. Em comunicado à imprensa internacional, Peter J. Goulandris, filho de Maria, afirmou que os tios a venderam por um preço inferior, pois estavam com dificuldades financeiras. “Outro ponto que não foi bem explicado é que não se fala em que foi empregado esse dinheiro e se, de fato, eles estavam com dívidas”, diz a consultora de arte Julie Belfer. No entanto, especula-se que o documento de venda assinado por Basil foi forjado, já que o que o tipo de papel não existia antes de 1988, segundo especialistas.

“A possibilidade de invalidar um contrato com base em discrepância entre o preço de venda e o preço de mercado, ou por conta de fraudes ou outros vícios formais, deve ser analisada à luz da lei aplicável a tal disputa”, diz o advogado Bechara. Aspasia, que iniciou o processo de investigação, parece estar determinada a provar os crimes que envolvem as obras de sua família. “Grandes obras podem sumir, sim. O mercado ainda não é transparente e as intenções de compra são variadas”, afirma Julie Belfer. Nessa batalha, o principal oponente de Aspasia é o grego Kyriakos Koutsomallis.

Ele é curador da Basil and Elise Goulandris Foundation, fundada em 1979 pelo casal. O museu está em reforma e a previsão é que, em 2017, se torne uma propriedade de 12 andares, que exibirá 29 obras de arte da coleção. Mas o administrador também está na mira dos promotores suíços. Foi aberta uma investigação sobre a fundação, na qual Koutsomallis é suspeito de falsificação de títulos de propriedade. “Dessa história tão complexa, a lição que se pode tirar é manter a organização sempre. É importante deixar tudo registrado e a papelada em ordem”, diz Aloisio Cravo, leiloeiro de arte.

Há, ainda, outro grande adversário nessa disputa. Em 2004, o escritório de advocacia panamenho Mossack Fonseca, conhecido pelas aberturas de contas offshore, que se tornaram o centro do escândalo conhecido como Panama Papers, criou empresas anônimas para vender algumas obras dos Goulandris que a Wilton Trading mantinha. Quatro companhias fizeram as negociações através de leilão e venda privada e, em seguida, encerraram suas transações, não deixando rastros, dificultando ainda mais a investigação. O paradeiro de grande parte dessas obras permanece, por enquanto, desconhecido. Mas Aspasia, hoje com 70 anos, afirma que não perdeu a esperança de encontrá-las e tomar posse de parte delas. “Estou mantendo as paredes vazias até meus quadros voltarem para mim”, disse em comunicado à imprensa internacional. Afinal, mistérios à parte, quem iria desistir de uma herança bilionária?

istoe

18/09/16

 

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