Em um cenário marcado por intensos distúrbios e violência, Bangladesh enfrenta uma das maiores crises políticas de sua história recente. No último domingo, pelo menos 76 pessoas perderam a vida em meio ao agravamento dos confrontos entre forças policiais e manifestantes que exigem a renúncia da primeira-ministra Sheikh Hasina. As autoridades locais relataram que 13 policiais foram mortos após uma delegacia no distrito de Sirajganj ser atacada por milhares de pessoas. Outros 300 agentes ficaram feridos durante os tumultos.
O estopim dos protestos foi um descontentamento generalizado com as cotas de admissão para cargos públicos, consideradas arbitrárias pelos manifestantes. O que começou como um protesto específico se transformou em um movimento mais amplo contra o governo, configurando-se como os piores distúrbios que Hasina enfrenta em seus 15 anos no poder. Embora as tropas locais tenham conseguido restabelecer a ordem temporariamente, a situação voltou a se agravar com a multidão retornando às ruas no início deste mês.
Milhares de manifestantes, muitos armados com pedaços de pau, encheram a praça Shahbagh, no centro de Deca, resultando em violentos confrontos em diferentes pontos da capital e em outras cidades importantes do país. Al-Helal, chefe das forças de segurança da região, descreveu o cenário como um “campo de batalha”, com confrontos entre estudantes e forças governamentais.
O governo impôs um toque de recolher noturno, com início às 18h (horário local), e suspendeu o acesso à internet via dispositivos móveis na capital, Deca, na tentativa de controlar a disseminação de informações e a mobilização de manifestantes. O ministro da Lei e Justiça, Anisul Huq, destacou em entrevista à BBC que, embora o governo tenha mostrado contenção, a paciência tem limites e um banho de sangue poderia ter ocorrido.
Os relatos são de que tiros foram ouvidos ao anoitecer, enquanto os manifestantes desafiavam o toque de recolher imposto. Mais de 200 pessoas já perderam a vida em julho, muitas delas baleadas pela polícia, e cerca de 10 mil foram detidas numa ampla repressão pelas forças de segurança, incluindo apoiadores da oposição e líderes estudantis. Entre os críticos do governo, Nahid Islam, um dos líderes do movimento estudantil, afirmou que Sheikh Hasina deveria não apenas renunciar, mas ser julgada pelos “assassinatos, saques e corrupção” que marcam seu governo.
Os protestos de rua contra a reserva de cargos públicos para parentes dos veteranos da guerra de independência do Bangladesh em 1971 refletiram um descontentamento mais profundo com o governo. Embora o governo tenha reduzido as cotas, as manifestações continuaram, incorporando novas demandas e, finalmente, a exigência da renúncia de Hasina.
Sheikh Hasina, de 76 anos, está no poder desde 2009 e conquistou seu quinto mandato em eleições realizadas em janeiro deste ano, caracterizadas pela ausência de uma oposição verdadeira. Seu governo tem sido acusado por grupos de direitos humanos de usar indevidamente instituições do Estado para manter o poder e eliminar opositores, muitas vezes por meio de execuções extrajudiciais. A crise atual lança uma sombra sobre o futuro político e social do Bangladesh, que busca um caminho para a estabilidade em meio ao caos.