TERRITÓRIO! Brasil “Fictício”: Falta de Cadastro Fundiário Unificado Gera Conflitos e Incertezas Jurídicas

O Brasil, em termos cartoriais, é um país maior do que suas reais dimensões geográficas. Este quadro paradoxal surge da falta de um cadastro fundiário unificado, uma lacuna histórica que gera múltiplos problemas. Milhares de processos judiciais discutindo sobreposição de direitos à terra, tanto rurais quanto urbanos, estão em tramitação. A duplicidade de registros tem se mostrado um obstáculo significativo, uma vez que uma mesma área pode ser registrada por diferentes indivíduos, empresas ou instituições, exacerbando conflitos de posse e alimentando a ilusão de um território no papel que não se sustenta no mapa.

Gabriel Siqueira, líder da força-tarefa Fundiária da Coalizão Brasil Clima, Floresta e Agricultura, destaca a ausência histórica de um cadastro geoespacializado no país. “O Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR), existente desde 1972, é literal, não geoespacializado. Um cadastro fundiário adequado exige a identificação geoespacial de terrenos específicos e a associação de direitos a essas parcelas”, diz Siqueira. Segundo ele, a inexistência de um banco de dados unificado compromete a formulação e avaliação de políticas públicas, além de criar um ambiente de incerteza jurídica, especialmente nas zonas rurais.

O problema torna-se ainda mais complexo devido à atuação independente de várias instituições, cada uma com seus próprios critérios de cadastramento. Funai lida com terras indígenas, enquanto Incra cuida de assentamentos, sem uma devida integração entre esses órgãos públicos. Isso gera uma série de sobreposições de direitos, não apenas em âmbito federal, mas também em estados e municípios. “No passado, esses problemas eram ainda mais críticos, mas hoje temos uma clara noção da importância dessas questões”, acrescenta Siqueira.

A situação é conhecida das autoridades há muito tempo. Em 2009, a Comissão de Combate à Grilagem do Tribunal de Justiça do Pará revelou que os cartórios de imóveis tinham registrado uma extensão territorial quase quatro vezes maior que a real dimensão do estado. Essa problemática é recorrente em diversas unidades da federação, levando à criação de varas agrárias específicas para tratar disputas de terras em alguns tribunais.

Exemplificando a complexidade do cenário, no Acre existem pelo menos 16 tipos diferentes de títulos de terra. Este emaranhado legal permite diversas sobreposições, complicando a vida de produtores rurais que necessitam verificar em múltiplos bancos de dados para assegurar a validade e a real titularidade das terras que pretendem negociar.

Gabriel Siqueira acredita que a solução reside na integração dos bancos de dados e no uso de tecnologias avançadas. “O Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), gerenciado pelo Incra, é o cadastro mais completo atualmente. Ele cruza dados de georreferenciamento com as informações dos cartórios de registro de imóveis. No entanto, o Sigef abrange apenas propriedades registradas, não alcançando terras em processo de regularização ou reivindicadas por comunidades tradicionais e povos indígenas”, explica. Segundo ele, a tecnologia de monitoramento por satélite pode fornecer dados em tempo real sobre o território nacional, possibilitando a criação de um banco de dados nacional atualizado permanentemente.

Em resumo, a criação de um cadastro fundiário integrado e tecnologicamente avançado poderia reduzir conflitos de terra, facilitar políticas públicas eficazes e proporcionar a necessária segurança jurídica para todos os envolvidos.

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