“Série ‘Tremembé’ Revela a Comercialização da Fé no Sistema Prisional Brasileiro e a Transformação do Cárcere em Templo de Controle Moral”

A série “Tremembé”, disponibilizada pela Amazon Prime Video em outubro de 2025, mergulha nas complexas dinâmicas da Penitenciária II de Tremembé, popularmente conhecida como o “Presídio dos Famosos”. Por meio das narrativas de detentos notórios como Suzane von Richthofen, Elize Matsunaga e Roger Abdelmassih, a produção vai além das histórias sensacionalistas típicas do gênero true crime. O que se destaca nessa obra é a crítica contundente ao sistema prisional brasileiro e, em especial, à intersecção entre a religiosidade e a vida atrás das grades.

A série capta a essência das celebrações evangélicas realizadas dentro da prisão, que muitas vezes mais se assemelham a espetáculos do que a cultos religiosos. Com fervorosas pregações, cânticos emocionados e uma aura de busca por redenção, as práticas religiosas revelam uma hierarquia complexa, onde a fé se transforma não apenas em consolo, mas em uma estratégia de sobrevivência. A conversão para a fé evangélica é apresentada como uma forma de ascensão social, oferecendo às detentas prestígio, proteção e novos laços de poder.

Diante das limitações do sistema penitenciário, onde os profissionais de saúde mental são escassos, pastores ocupam esse espaço, apresentando a religião como uma solução moral para a miséria. As celas, ao invés de meros lugares de encarceramento, se tornam arenas onde a espiritualidade é consumida tanto pelas detentas quanto pelo público interno de espectadores, questionando a autenticidade de tais experiências religiosas. A câmera revela a conivência entre o aparente culto à espiritualidade e os interesses que realmente dominam esse microcosmo: a conversão se torna uma “moeda” dentro do sistema, moldando dinâmicas e estabelecendo hierarquias.

Ao encapitar a experiência do cárcere, “Tremembé” não é apenas um retrato do universo das prisões, mas uma crítica incisiva a uma sociedade que ainda falha em oferecer políticas de assistência e reintegração. As detentas que abraçam a fé se tornam “irmãs”, enquanto as que resistem à conversão são marginalizadas. Isso mostra uma contradição: um sistema que promete redenção, mas que na prática perpetua a opressão.

Assim, por trás da camuflagem religiosa, surge uma crítica à maneira como a fé é utilizada para manter a ordem, silenciar vozes e obscurecer a discussão sobre desigualdade social. Este retrato inquietante revela não apenas a inter-relação entre a religiosidade e a vida prisional, mas também os mecanismos pelo qual a fé se torna um instrumento de controle, fazendo ecoar a ideia de que, no Brasil, enquanto o estado se ausenta, as igrejas estabelecem suas normas em um ciclo contínuo de opressão disfarçada.

Em resumo, “Tremembé” transcende o mero entretenimento ao levantar questões sobre o papel da religião na vida encarcerada e suas implicações para a sociedade como um todo. É uma reflexão poderosa sobre a interligação entre fé, poder e a realidade brutal do sistema prisional brasileiro, explorando as nuances de um ambiente onde o sofrimento é transformado em capital simbólico, e a promessa de salvação se torna uma mercadoria.

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