A estreia do Big Brother Brasil 19, na última semana, teve a pior audiência da história do programa, de acordo com o Ibope: 21.3 pontos de média. No ano passado, o início da edição 18 teve 31 pontos. Pesquisadores consultados pelo Terra apontam que o Ibope não reflete uma falta de interesse do público, com o consumo do produto “BBB” tendo mudado desde o começo do reality, em 2002.
“A experiência televisiva está totalmente reconfigurada, porém, a audiência ainda é mensurada a partir de uma perspectiva da radiodifusão. Existe uma parcela do público que consome o programa apenas pela internet, seja pelas redes sociais ou pela Globo Play, o que não é contabilizado pela medição do IBOPE, mas é igualmente significativa para o programa”, afirma Luiza Mello, pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Em sua dissertação de mestrado “Conectividade TV e WEB: a construção do fluxo e dinâmica comunicacional do BBB 18 a partir do engajamentos dos fãs”, ela constatou que existe uma parcela significativa da audiência do programa que ainda tem seu engajamento controlado ou ignorado pelo BBB, nas redes sociais. “A última edição apresentou uma evolução com relação às anteriores nesse quesito. Porém, é preciso se reinventar a cada ano”, complementa, segundo o Terra.
O pesquisador doutorando vinculado ao Laboratório de Interação Mediada por Computador (LIMC) no programa de Pós-graduação em Comunicação & Informação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Ricardo Fernandes, salienta que a exibição do programa faz parte de uma grade e a audiência das novelas influencia na medição.
“Em tempos de Netflix e outros serviços por demanda, a audiência não precisa mais esperar a exibição dos seus programas favoritos na TV. Por ser uma exibição dentro da grade, o programa acaba sendo embalado pela audiência do programa anterior. No ano passado, os números registrados foram maior frente ao sucesso da telenovela “O outro lado do paraíso”. Algo que o próprio programa se beneficiou ao trazer o enredo da trama à dinâmica do jogo com a falsa eliminação da participante Gleici”, exemplifica.
Luiza também fala sobre a tendência do interesse pelo BBB aumentar ao longo do programa: “Pelo caráter emocional e afetivo que o reality show apresenta, a relação do produto com o consumidor, bem como a relação dos participantes com os fãs, são construídas com o decorrer dos episódios. Dessa forma, a audiência de estreia torna-se menos relevante que a média de toda temporada ou da audiência na final, por exemplo, quando os telespectadores estão mais envolvidos com a narrativa do programa”.
As pessoas não acompanham o BBB apenas durante o horário que ele está sendo exibido na Globo. Rapidamente a rede disponibilizou o Pay-per-view para quem quisesse acompanhar os brothers por 24 horas e agora o Twitter tem uma cobertura em tempo real gratuita. Para a pesquisadora da UFJF, é esse público que tende a ser valorizado.
“Até a 16ª edição, por exemplo, a participação dos fãs era controlada e mediada. Essa perspectiva torna-se clara quando a produção decide, no meio da temporada, alterar a forma como os votos eram computados devido à construção de uma forte comunidade de fãs da participante Ana Paula Renault. Na edição seguinte, o programa mudou sua estratégia de distribuição e começou a investir em um fluxo bidirecional de conteúdo. Resultado disso foi a criação da #RedeBBB que expandiu o conteúdo televisivo para as redes e começou a se comunicar mais diretamente com os usuários”, afirma Luiza. Para ela, até mesmo a escolha de Tiago Leifert como novo apresentador do programa.
Fernandes faz uma evolução desse tipo de consumo ainda mais antiga. “É preciso lembrarmos que a preocupação de motivar a audiência à construir os programas televisivos não é algo recente. Na década de 90 podemos ilustrar um movimento nesse sentido. Basta lembrarmos de programas como o Você Decide da Globo, o Fantasia no SBT ou mesmo finado Disk MTV. Antes, essas interações se ancoravam no telefone, engendrando uma situação comunicativa diferente da que temos com a internet. Essa evolução não vai parar”, acredita.
Ambos concluem que o Ibope não é mais suficiente para medir um esperado desgaste do BBB, o primeiro e mais longo reality show de confinamento da televisão brasileira. Ao longo das edições, o programa evoluiu e se manteve atrativo para a audiência. Ricardo Fernandes destaca a flexibilidade do formato e o tom novelístico dado às edições dentre as razões para o sucesso do BBB.
”Nossa versão desenvolveu uma particular mistura entre o mundo ficcional (marcado pela estereotipação maniqueísta dos participantes, uso de trilhas específicas para demarcar essas construções, ganchos de tensão entre episódios, propensão em narrar situações com apelo emocional e moralizante) e o mundo factual ( marcado pela narração dos acontecimentos e interações da realidade vivenciada pelas pessoas que competem e vivenciam a experiência do confinamento).”, afirma.
Para Fernandes, essa evolução aconteceu de forma natural, na medida em que o programa foi sendo produzido. Luiza diz que no caso do BBB, o formato precisa ser readequado também por conta “desse novo contexto televisivo e por apresentar uma participação online relevante”.
“O formato precisa ser readequado não somente pelo grande número de edições, mas também por conta desse novo contexto televisivo e por apresentar uma participação online relevante. Nossas pesquisas mostraram que há mudanças gradativas na forma como o programa tem construído suas ações e estratégias de distribuição e circulação de conteúdo. Todavia, por se tratar de uma emissora de tradição televisiva, se reinventar neste caso necessita um pouco mais de cuidado”, conclui.
24/01/2019