POLÊMICA – Corrupção nas Forças Armadas pode acontecer travestida de ato legal, diz autor de livro

Quando pensamos em corrupção, frequentemente lembramos de grandes escândalos noticiados pela mídia, com corruptores e corrompidos sendo flagrados em ações escandalosas. Contudo, a realidade mostra que a corrupção muitas vezes ocorre nas sombras, de forma discreta e quase imperceptível, às vezes com aparência de legalidade. Essa é a visão do coronel da reserva e advogado Rubens Pierrotti Jr., apresentada em seu livro “Diários da Caserna – Dossiê Smart: a história que o exército quer riscar”, lançado recentemente pela Editora Labrador.

Baseado nas experiências de Pierrotti dentro do Exército Brasileiro, o romance revela um grande esquema de corrupção e outros atos ilícitos conduzidos por oficiais de alta patente. O foco é a aquisição e o desenvolvimento de um simulador de apoio de fogo de artilharia, denominado Smart, junto a uma empresa espanhola chamada Lokitec, cuja capacidade para desenvolver o equipamento é, no mínimo, questionável. O autor detalha como as engrenagens do Exército funcionam, muitas vezes ultrapassando regras e leis, em nome de cumprir tarefas a qualquer custo, para agradar superiores e obter recompensas na carreira militar.

Pierrotti explora de forma didática as relações de poder e compadrio que caracterizam a corrupção dentro do Exército. Ele destaca que, em uma instituição tão protegida quanto as Forças Armadas, os atos de aliciamento, suborno e corrupção não ocorrem de maneira grosseira, como imagina o senso comum. Pelo contrário, são sutis, como uma promoção ao posto de general. “Indícios de corrupção podem ser verificados no Diário Oficial, mas dificilmente comprovados, pois a promoção ao generalato no Exército não é por merecimento, mas por escolha pessoal, sem necessidade de justificativa”, explica Pierrotti.

Um episódio ilustrativo da obra mostra a recompensa aos oficiais do Exército que participaram do processo de aquisição do Smart. Dois oficiais, Battaglia e Aristóteles, recusaram-se a assinar o certificado de desenvolvimento do simulador devido aos inúmeros erros e desrespeito às normas. Foram substituídos pelos coronéis Amorielli e Schmidt, mais “flexíveis”. Após a assinatura, Amorielli e Schmidt foram enviados à Espanha para acompanhar a quarta fase do projeto Smart, permanecendo lá por 13 dias. “Acredito que essa ‘missão’ foi apenas um ‘prêmio’ para o Amorielli e o Schmidt passearem na Europa e colocarem alguns dólares no bolso”, diz Battaglia, o protagonista da trama.

No final da obra, fica claro o prêmio recebido: o coronel Amorielli foi promovido ao posto de general após a entrega do simulador. “Era o mínimo que o Alto Comando do Exército poderia fazer para reconhecer e retribuir os ‘excelentes serviços’ de tão valoroso oficial à Força Terrestre”, ironiza o narrador. Pierrotti Jr. revela, assim, os bastidores da corrupção no Exército, destacando como o poder e o compadrio conduzem ações ilícitas disfarçadas de legalidade e como essas práticas são recompensadas dentro da instituição.

Sair da versão mobile