A Imponência das Milícias no Rio: Um Poder Paralelo em Ascensão
Nas comunidades do Grande Rio, onde a presença do Estado é escassa, uma ordem paralela ganhou força nas últimas décadas, estabelecendo-se não por meio de leis, mas através da coerção e do medo. As milícias, compostas por ex-integrantes das forças de segurança e criminosos comuns, vêm se expandindo a um ritmo alarmante, transformando-se em um poder paralelo que impacta a vida de milhões de cariocas. As informações de instituições de pesquisa revelam a magnitude e a complexidade dessa realidade, que não pode mais ser ignorada.
Nos últimos 16 anos, a extensão territorial controlada por milícias no Grande Rio dobrou, com um crescimento de impressionantes 204,6% desde 2008. Embora o ano de 2023 tenha apresentado uma redução de 19,3% na área dominada por esses grupos, na capital fluminense, eles ainda detêm o controle de 66,2% das áreas sob domínio de grupos armados, impactando diretamente aproximadamente 2,17 milhões de pessoas, o que representa 33,1% da população da cidade.
Esse controle se baseia em uma lógica de negócios. As milícias exploram a falta de serviços públicos e se impõem como prestadoras de serviços, cobrando taxas de “segurança” em troca de proteção e oferecendo serviços essenciais, como gás, transporte alternativo e até internet clandestina. Em um dos bastidores dessa atuação, a arrecadação diária em áreas como Rio das Pedras pode superar os R$ 169 mil, demonstrando a capacidade de arrecadação e a eficiência administrativa dos milicianos.
A influência crescente das milícias também se estende ao mercado imobiliário, onde práticas ilegais, como a grilagem de terras, são comuns. O “urbanismo miliciano” traz consequências diretas para as comunidades, resultando em construções irregulares e riscos estruturais. Tragédias, como os desabamentos em Muzema e Rio das Pedras, são prova da vulnerabilidade social e da falta de fiscalização nas áreas dominadas.
Com o uso sistemático da “política do medo”, os milicianos mantêm a população sob constante vigilância. A diferença entre milícias e o tráfico, como aponta um ex-policial, é sutil: muitos dos milicianos têm histórico nas forças de segurança. As milícias se infiltram até em associações de moradores e igrejas locais, justificando suas ações sob o pretexto de promover uma ordem que, na prática, apenas perpetua o controle social.
A teia que liga milícias a setores políticos e empresariais é intrincada, com investigações apontando para uma rede de proteção institucional que permite a atuação desses grupos de forma quase irrestrita. O assassinato da vereadora Marielle Franco, por exemplo, expôs questões profundamente enraizadas no âmbito da corrupção e da impunidade.
Apesar das evidências do poder das milícias, as operações policiais contra esses grupos permanecem insuficientes. Dados entre 2017 e 2023 mostram que, enquanto 70% das áreas de tráfico convivem com confrontos policiais, apenas 31,6% das áreas controladas por milícias apresentam atividade policial similar. A morte de líderes dessas organizações, embora ocasionalmente gere desarticulação, também provoca disputas internas que muitas vezes intensificam a violência nas comunidades.
A capacidade de coordenação das milícias é evidenciada por ações como a queima de ônibus em outubro de 2023, um claro sinal de sua capacidade de paralisar regiões inteiras e manter milhões de cidadãos em estado de reféns. Esse cenário complexo requer uma abordagem contundente e inovadora por parte das autoridades competentes para restaurar a ordem e a dignidade nas comunidades afetadas.