LESADOSCansados de prejuízos, lojistas denunciam falta de transparência no Shopping Pátio Arapiraca

Lojistas acionam a Justiça e acusam o condomínio do shopping de ocultar informações financeiras

Quando o Shopping Pátio Arapiraca abriu as portas, prometia ser o símbolo da modernização do Agreste alagoano — o ponto de encontro das famílias, o motor do varejo regional e a chance de o pequeno comerciante local dividir espaço com grandes marcas nacionais. Passados alguns anos, o brilho das inaugurações deu lugar a vitrines fechadas e à inquietação de quem permanece: os lojistas afirmam que o sonho virou sufoco.

Por trás das portas de aço abaixadas, uma batalha judicial se desenrola. Os lojistas, por meio de sua associação representativa, moveram uma Ação de Exigir Contas (nº 0708166-32.2024.8.02.0058) contra o Condomínio do Shopping e o grupo empreendedor Pátio Arapiraca S/A, cobrando explicações sobre a gestão de milhões de reais arrecadados em taxas condominiais.

Enganando a Justiça

De acordo com os lojistas, durante cinco anos — de 2019 a 2024 — foram pagos mensalmente valores altos, sem acesso a orçamentos, extratos ou relatórios que comprovassem o destino do dinheiro. Mesmo após decisão judicial obrigando o condomínio a prestar contas, os administradores apresentaram mais de 8 mil páginas de documentos “sem ordem, sem coerência e sem o formato legal exigido”, segundo a petição.

O juiz da 8ª Vara Cível de Arapiraca determinou que o condomínio apresentasse demonstrativos de receitas, despesas, relatórios bancários e contratos com fornecedores. A sentença foi confirmada pelo Tribunal de Justiça de Alagoas, que manteve a obrigação de prestar contas.

Os lojistas, no entanto, dizem que o conteúdo entregue é praticamente indecifrável. “Vieram pilhas de papéis, mas sem qualquer explicação. Não sabemos o que foi pago, nem por quê”, relata um comerciante. Segundo a ação, não houve sequer a apresentação de uma planilha organizada que permitisse entender a movimentação financeira.

A legislação é clara: o artigo 54 da Lei do Inquilinato obriga o empreendedor de shopping a apresentar orçamentos prévios e comprovar despesas comuns. A norma ainda proíbe repassar aos lojistas gastos estruturais, indenizações trabalhistas e investimentos que não digam respeito à manutenção do espaço comum.

Mas o que parecia apenas uma briga contábil entre condomínio e lojistas acabou revelando algo mais profundo: indícios de má gestão, despesas sem comprovação e pagamentos a empresas ligadas ao próprio grupo empreendedor. É o que demonstra o relatório de auditoria que embasa a ação — e que expõe, com detalhes, o labirinto das contas do condomínio.

FARRA DA GRANA

Auditoria aponta gastos abusivos, irregulares e desvios nas contas do condomínio

Relatório contábil revela despesas milionárias sem vínculo com o condomínio, incluindo pagamentos a executivos da holding

Um relatório de auditoria independente, juntado aos autos para subsidiar a defesa dos lojistas, desmonta o discurso de normalidade apresentado pela administração do Shopping Pátio Arapiraca. O documento de mais de 30 páginas lista ausências graves, desvios de finalidade e lançamentos incompatíveis com as regras condominiais.

Entre 2019 e 2024, o condomínio teria desembolsado mais de R$ 300 mil em salários e gratificações de executivos da holding, R$ 392 mil em viagens e auditorias de vendas de lojas, e R$ 3 milhões em consultorias e assessorias sem relatório técnico ou contrato identificável.

O relatório cita ainda pagamentos à “Associação do Via Café Garden Shopping”, de Minas Gerais, no valor de R$ 91.217,96 — sem qualquer vínculo com o empreendimento de Arapiraca. Também foram identificadas indenizações trabalhistas superiores a R$ 200 mil, referentes a funcionários que não teriam relação com o condomínio.

Em um dos trechos, os auditores apontam que “salários e gratificações de executivos da holding, férias e bônus foram pagos com recursos dos lojistas, totalizando mais de R$ 324 mil apenas em 2019”. Há lançamentos com descrições explícitas como “Rateio salário executivo holding”, “Premiação Holding” e “Férias Executivo Empreendedor”, constando em livros contábeis do próprio condomínio.

O ponto central da disputa é a confusão entre as contas do shopping e do condomínio. Segundo a auditoria, o proprietário do empreendimento, que também administra o condomínio, insere despesas particulares da sua atividade comercial — como viagens de executivos da holding e pagamento de superintendentes — na contabilidade condominial. O resultado é um rateio que onera os lojistas com custos que deveriam ser arcados pelo empreendedor. Mesmo havendo uma administradora de condomínio — também pertencente ao grupo Partage —, há duplicidade de funções e de pagamentos.

Outro ponto que chamou atenção foi o contrato de gestão de energia. Duas empresas prestavam o mesmo serviço: uma delas cobrava menos de R$ 3 mil mensais; a outra — a Partage Energia, pertencente ao mesmo grupo que administra o shopping — recebia R$ 75 mil por mês, totalizando cerca de R$ 900 mil ao ano, apesar de possuir apenas R$ 1 mil de capital social.

As inconsistências também aparecem na arrecadação. Não há registro dos orçamentos anuais de 2019 a 2024, nem relatórios de faturamento dos lojistas e subsídios pagos pelo empreendedor para cobrir vacâncias. Isso impede, segundo os auditores, saber se o condomínio realmente recebeu todos os valores devidos — ou se os lojistas acabaram pagando duas vezes.
Em um dos trechos da petição, os lojistas alertam para o risco de duplicidade de cobrança: “Os impostos foram parcelados com juros e multas, e há dúvida se esses encargos não foram repassados novamente aos lojistas”.

O relatório conclui que as contas apresentadas não permitem “comprovar a legalidade, a regularidade e a transparência da gestão condominial”. Os lojistas requerem que a Justiça determine a devolução dos valores indevidos e proíba que despesas alheias ao condomínio sejam lançadas nas próximas prestações.

Ao todo, o montante impugnado ultrapassa R$ 40 milhões. E, enquanto o processo segue, a realidade nos corredores do shopping revela o impacto direto dessa contabilidade opaca.

DECADÊNCIA

Fechamento de lojas expõe crise e sobrecarga dos pequenos comerciantes

Com a inclusão de contas particulares do shopping no condomínio, lojistas enfrentam endividamento e despejos

A poucos metros da entrada principal do Shopping Pátio Arapiraca, o cenário é desolador. Corredores antes lotados de clientes agora exibem fachadas vazias, placas de “aluga-se” e vitrines cobertas por poeira. Dos 200 pontos comerciais inaugurados originalmente, boa parte está desativada.

“Cada loja que fecha pesa no bolso das que ficam”, explica uma lojista veterana, que há meses vê a taxa condominial aumentar à medida que o número de contribuintes diminui. A matemática é simples e cruel: o custo total do condomínio é dividido entre quem ainda está de portas abertas. O resultado é um ciclo de colapso.

Com a inclusão de despesas particulares do shopping no condomínio, o valor devido pelos lojistas cresce artificialmente, tornando-se impagável para muitos. Quando não conseguem arcar com os encargos, o shopping ingressa com ações de despejo e cobrança, executando dívidas milionárias criadas, segundo eles, a partir de lançamentos indevidos. Diversos comerciantes locais já foram despejados e tiveram contas bloqueadas. Os que permanecem acabam ainda mais sobrecarregados, já que, na ausência de inquilinos, o shopping — como proprietário das lojas vagas — deveria assumir os custos, e não repassá-los aos condôminos.

Segundo a auditoria independente da IAUD, apresentada pelo próprio shopping, essa prática de repasse indevido é um dos fatores que mais agravam o desequilíbrio financeiro dos lojistas. Há casos em que a contribuição mensal de uma loja saltou de R$ 3 mil para quase R$ 9 mil. Para muitos pequenos empresários, essa diferença é fatal. “Não dá para competir com redes que têm fôlego. A gente se endivida para continuar e ainda não sabe o que está pagando”, diz outro comerciante.

O impacto não é apenas econômico. Há um sentimento de abandono. As decisões administrativas, segundo os lojistas, são tomadas fora de Alagoas, por um comitê central do grupo Partage. “Trocam o superintendente, mas ninguém resolve. Tudo precisa vir de São Paulo ou do Rio. Aqui a gente só paga”, resume um lojista.

Além disso, os valores cobrados pelo condomínio em Arapiraca estão entre os mais altos do estado. Comparativamente, o Maceió Shopping tem o condomínio mais barato; em seguida vêm o Pátio Maceió e o Pátio Arapiraca, com valores praticamente idênticos. O mais caro é o Parque Shopping, ainda assim pouco acima do de Arapiraca.

Enquanto isso, a Justiça de Arapiraca analisa os documentos apresentados e as impugnações feitas pelos lojistas. A decisão, segundo advogados ouvidos pela reportagem, poderá criar precedente importante para todo o país, definindo os limites da gestão condominial em shoppings e o que pode — ou não — ser cobrado dos condôminos.

Mas, para quem vive o drama diariamente, o caso é mais do que jurídico. É uma luta pela sobrevivência. “Não queremos privilégio, queremos justiça”, diz um dos representantes do grupo. “Queremos que o dinheiro pago pelo lojista mantenha o shopping de pé — não o lucro de quem administra de longe.”

A esperança, para muitos, é que o processo judicial traga luz a um sistema que se tornou opaco demais. Que as contas finalmente apareçam — e que o Pátio Arapiraca volte a ser, de fato, o símbolo de prosperidade que um dia prometeu ser.

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