O voto de Barroso está inserido em um processo iniciado em 2017, protocolado pelo PSOL, que argumenta que a criminalização do aborto impacta negativamente a dignidade da pessoa humana, especialmente entre mulheres negras e em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Atualmente, a legislação brasileira permite a interrupção da gravidez apenas em situações de estupro, risco à saúde da gestante, ou em casos de anencefalia fetal.
O ministro enfatizou que o aborto deveria ser tratado como uma questão de saúde pública e não sob a ótica do direito penal. Ele questionou a legitimidade do Estado em obrigar uma mulher a ter um filho que ela não deseja ou não pode cuidar, ressaltando a inaceitabilidade de enviar mulheres ao sistema prisional por essa situação angustiante. “A discussão real não está em ser contra ou a favor do aborto, mas sim se o Estado deve ter o poder de penalizar mulheres em situações tão delicadas,” afirmou.
Barroso também apontou que a criminalização do aborto afeta desproporcionalmente as mulheres de baixa renda. “A falta de acesso a informações e serviços adequados na saúde pública penaliza as meninas e mulheres pobres, enquanto aquelas com melhores condições financeiras encontram meios de atender suas necessidades fora do Brasil,” disse ele, enfatizando a desigualdade na assistência à saúde.
Embora tenha deixado claro que não é a favor do aborto, Barroso defendeu que o papel do Estado deve ser o de prevenir, oferecendo educação sexual e acesso a métodos contraceptivos, além de apoio emocional e psicológico às mulheres que enfrentam uma gravidez indesejada.
Em uma nota de respeito às crenças religiosas, o ministro destacou que embora a tradição judaico-cristã condene o aborto, seria mais adequado questionar a relevância de regras que levam à prisão de mulheres enfrentando dramas pessoais. “A regra de ouro de tratar o próximo como desejamos ser tratados deve prevalecer,” concluiu.
O julgamento do caso, que começou em setembro de 2023, está longe de ser definitivo, especialmente após uma interrupção recente causada por um pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes. As consequências desse importante debate jurídico e moral continuarão a reverberar na sociedade brasileira.