Uma série de documentos, extratos bancários, capturas de redes sociais e depoimentos colhidos nos autos expõe um conjunto de indícios que coloca o prefeito de Poço das Trincheiras, Valmiro Costa (MDB), no centro de uma acusação de fraude eleitoral relacionada ao uso de candidaturas femininas fictícias nas eleições de 2024. O recurso foi manejado pelo advogado Saulo Lima Brito, que aponta que duas candidatas registradas pelo MDB — Eliene Barbosa e Any Flavinne Damasceno — teriam sido incluídas na chapa apenas para cumprir a cota mínima de gênero, sem campanha real, estrutura mínima ou qualquer ato efetivo que demonstrasse participação no pleito. As prestações de contas foram integralmente zeradas, não há registro de santinhos, jingles, jornais de campanha ou movimentação financeira mínima, e ambas tiveram votação inexpressiva, fatores que se enquadram nos elementos descritos pela Súmula 73 do Tribunal Superior Eleitoral.
Extratos anexados aos autos mostram que as contas destinadas ao Fundo Eleitoral, ao Fundo Partidário e a outros recursos permaneceram sem movimentação alguma, reforçando a ausência total de campanha. O depoimento do guia político José Martins da Silva aprofunda as suspeitas ao afirmar que a candidatura de Eliene teria sido articulada diretamente pelo prefeito Valmiro Costa, que, segundo ele, “convidou e insistiu” para que ela aceitasse disputar a eleição mesmo depois de sua recusa inicial. Em vídeo juntado ao processo, o depoente relata: “O prefeito convidou ela para sair. Ela tinha recusado um pouco, mas aí o prefeito insistiu um pouco e ela disse: vou sair.”
No mesmo depoimento, José Martins confirma ter recebido valores em espécie, geralmente R$ 100, para custear combustível em viagens realizadas em nome da candidata — pagamentos que não aparecem declarados em nenhuma prestação de contas oficial e que podem caracterizar caixa dois. Ele afirma em audiência: “Sempre naquelas regiões mais longes ela dava R$ 100 da gasolina”, declaração repetida também ao Ministério Público Eleitoral.
Outro ponto crítico levantado pelo recurso é a inconsistência do único santinho apresentado pela defesa, que não possui CNPJ de gráfica, número de tiragem ou qualquer elemento mínimo que indique autenticidade, levantando suspeitas de montagem. Nas redes sociais, não há qualquer menção de Any Flavinne à candidatura lançada em 2024; suas publicações referem-se apenas a eleições anteriores, com apoio ao próprio Valmiro Costa e a familiares, sem registros de atos de campanha, pedidos de voto, número de urna ou agenda de rua.
O recurso também contesta a sentença de primeira instância, que absolveu os envolvidos com o argumento de que, em municípios pequenos, é comum haver campanhas informais, acordos verbais e candidaturas com baixa votação. A decisão citou “códigos informais” locais e considerou natural que campanhas proporcionais em cidades de pequeno porte não apresentem estrutura organizada. Para o recorrente, ao validar tais práticas, a sentença teria relativizado a legislação eleitoral e ignorado que a lei não admite exceções baseadas em costumes municipais. No recurso, destaca-se ainda que o próprio magistrado reconheceu a existência de pagamentos informais e uso de recursos não contabilizados, mas tratou tais elementos como demonstrações de “ingenuidade” da testemunha, não como possíveis crimes eleitorais.
A argumentação apresentada afirma que as candidaturas femininas supostamente fictícias foram essenciais para permitir o registro da chapa proporcional do MDB. Sem a presença dessas mulheres, o partido não alcançaria o percentual mínimo exigido, o que, segundo a jurisprudência consolidada do Tribunal Superior Eleitoral, pode levar à nulidade de toda a chapa, cassação dos votos e inelegibilidade dos envolvidos por oito anos. Em despacho recente, o relator do Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas, desembargador Ney Costa Alcântara, determinou o levantamento do sigilo do processo, reforçando o caráter público e o interesse coletivo no caso.









