A saga de Raquel começou quando ela conseguiu deixar a Irlanda, junto com as filhas, alegando ser vítima de abusos físicos, sexuais e cárcere privado por parte do pai das meninas. Com o apoio de autoridades consulares brasileiras, conseguiu refugiar-se no Brasil. Durante esse período, surgiram sérias alegações de que a filha mais velha também teria sofrido abusos, o que complicou ainda mais a transição.
No entanto, a história tomou um rumo inesperado quando o pai das crianças, que reside na Irlanda, moveu uma ação de busca e apreensão baseado na Convenção de Haia, exigindo que suas filhas fossem devolvidas ao país europeu. Este pedido foi inicialmente acolhido pela Advocacia-Geral da União (AGU), que se empenhou na causa.
Em 2022, um laudo pericial apontou os riscos que o retorno poderia trazer às crianças, levando a primeira instância a decidir pela permanência delas com Raquel no Brasil. Contudo, em 2023, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) reformou essa decisão, resultando na retirada das crianças de casa por um oficial de Justiça e agentes federais.
Desesperada, Raquel recorreu ao STJ, onde inicialmente encontrou barreiras. No entanto, o cenário mudou com a intervenção da Defensoria Pública da União (DPU) e do Ministério Público Federal (MPF), que se uniram a favor da mãe. A Primeira Turma do STJ reconheceu os riscos para as meninas, restabelecendo a decisão de primeira instância e determinando que elas voltassem a viver com Raquel.
Apesar do desfecho favorável no Brasil, a implementação dessa decisão depende das autoridades irlandesas. Em junho, representantes da DPU se reuniram com membros do Ministério da Justiça, discutindo formas adequadas para garantir o cumprimento da sentença, enfatizando a necessidade de alinhar os interesses da mãe e do governo brasileiro em um processo que envolve diplomacia.
O caso de Raquel Canterelli não é único e atraiu a atenção para o fenômeno das chamadas “mães de Haia” — mulheres que fogem de situações de violência doméstica com seus filhos, mas que frequentemente enfrentam acusações de sequestro internacional. Em maio de 2024, a DPU levou o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, denunciando violações dos direitos humanos no processo de remoção das crianças.
Além disso, o tema do sequestro internacional de crianças está sendo examinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que analisa a validade das regras que regem esse tipo de situação no Brasil, em resposta a uma ação proposta pelo PSOL. A busca por justiça no caso de Raquel Canterelli destaca não apenas a luta individual de uma mãe, mas também as complexidades legais e sociais que envolvem a proteção de crianças e os direitos das mulheres.