Em uma mensagem endereçada aos funcionários, o presidente da Microsoft, Brad Smith, confirmou que a companhia encontrou evidências que corroboram aspectos da reportagem. Smith enfatizou que a decisão visa assegurar o cumprimento dos termos de serviço da Microsoft, com especial atenção para garantir que suas tecnologias não sejam utilizadas para vigilância indiscriminada de civis.
Embora a empresa tenha interrompido suas relações contratuais, o presidente assegurou que a decisão não interferirá no trabalho que a Microsoft realiza para fortalecer a segurança cibernética em Israel e em outras nações do Oriente Médio. Ele reafirmou que a Microsoft não fornece soluções tecnológicas para vigilância em massa, um princípio que a empresa tem defendido ao longo de mais de duas décadas.
Entretanto, a declaração de Smith não parece ter convencido todos os especialistas. O sociólogo Sérgio Amadeu, conhecido por suas análises sobre tecnologias digitais, destacou que a Microsoft não esclareceu se possui mecanismos que realmente impeçam a vigilância em massa de civis por forças militares. Ele levantou questões sobre a transparência da empresa, apontando que a Microsoft, assim como outras grandes companhias de tecnologia, tem um histórico de colaboração com sistemas de inteligência artificial voltados para segurança e defesa. Amadeu fez críticas à maneira como a empresa gerencia e armazena dados, levantando dúvidas sobre sua capacidade de garantir a privacidade dos indivíduos monitorados.
De acordo com a reportagem do The Guardian, Israel utilizava a infraestrutura de nuvem da Microsoft para conduzir vigilância em larga escala, armazenando, em servidores localizados na Europa, um vasto acervo de gravações telefônicas. O software Azure da Microsoft teria a capacidade de gerenciar um fluxo quase ilimitado de dados, coletando informações de chamadas realizadas por palestinos em Gaza e na Cisjordânia.
O uso dessa tecnologia por forças militares levanta questões sobre a ética das operações promovidas por grandes empresas de tecnologia no contexto de conflitos armados. Amadeu argumenta que as big techs estão intrinsecamente ligadas a estruturas bélicas, onde a inteligência artificial se torna uma ferramenta crucial para identificar e atacar alvos, baseado em dados coletados de redes sociais e outras fontes.
Recentemente, a relatora especial da ONU para os Direitos Humanos na Palestina, Francesca Albanese, também criticou essa relação entre empresas de tecnologia e as operações de Israel, indicando que o apoio corporativo contribui para assentamentos ilegais e operações militares na região. Albanese questionou a responsabilidade de entidades corporativas diante de violações de direitos humanos, afirmando que algumas dessas empresas se beneficiam economicamente da ocupação ilegal e de práticas de apartheid.
Diante de todo esse contexto, a decisão da Microsoft em cancelar seus contratos é um passo que pode ser interpretado de diversas maneiras, mas levanta questões cruciais sobre a responsabilidade ética das grandes tecnologias em cenários de conflito. Ações futuras da Microsoft e de outras empresas do setor serão observadas de perto, à medida que a discussão acerca do papel delas nas guerras contemporâneas se intensifica.