EXCLUSIVO – Estelionatos crescem, já superam os roubos e fortalecem o crime organizado no Brasil

A análise dos dados sobre crimes patrimoniais, publicados na última edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, confirma uma tendência observada desde o início da pandemia de Covid-19: a reconfiguração do modus operandi desses delitos. A substituição de roubos por estelionatos, golpes virtuais e furtos, iniciada em 2020, não apenas se manteve, como ganhou força em 2023.

Dados do anuário mostram um aumento de 13,6% nos estelionatos virtuais e de 8,2% no total de estelionatos entre 2022 e 2023. Em contrapartida, os roubos a bancos e a estabelecimentos comerciais caíram drasticamente, com quedas de quase 30% e 18,8%, respectivamente.

O crescimento acentuado dos estelionatos virtuais pode estar relacionado à tipificação do crime de fraude eletrônica, adicionada ao Código Penal em 2021, que trouxe maior visibilidade a esses delitos. Contudo, a mudança na legislação explica apenas parte da tendência, já que os dados regionais variam consideravelmente. São Paulo, por exemplo, registrou um aumento de 22,7% nos estelionatos, quase três vezes a média nacional.

A dificuldade de obter dados nacionais detalhados sobre estelionatos eletrônicos, devido à falta de categorização específica em algumas regiões, como São Paulo, é um desafio. Entretanto, estados como Paraíba e Roraima registraram aumentos de mais de 140% nos estelionatos virtuais, enquanto Piauí e Amazonas também apresentaram crescimento superior a 100%.

Em relação aos furtos de celulares, que subiram 0,7% no período, destacam-se os aumentos em Pernambuco (43,5%), Maranhão (40,7%) e Bahia (29,7%). O Distrito Federal e o Amapá registraram as maiores taxas de furtos por 100 mil habitantes, com 560,5 e 415,1, respectivamente.

Os estelionatos já superam os roubos no Brasil desde 2021, com 1.965.353 estelionatos e 870.320 roubos registrados em 2023. Essa mudança reflete uma reconfiguração significativa dos crimes patrimoniais, que passaram de uma prevalência de roubos em 2018 para uma predominância de estelionatos em 2023.

Segundo especialistas, o crescimento dos crimes virtuais reflete uma tendência global impulsionada pela transformação digital e pelo aumento da conectividade, especialmente via smartphones. O número crescente de estelionatos responde à migração das interações para o ambiente digital, que, apesar dos avanços, ainda apresenta desafios significativos em termos de segurança.

Por outro lado, a queda dos roubos físicos pode ser atribuída a novas estratégias de policiamento e à percepção dos criminosos de que o risco associado a esses delitos supera os potenciais ganhos. As tecnologias de segurança, como câmeras de vigilância e análises de DNA, têm dificultado a atuação dos criminosos em crimes face a face.

Enquanto o espaço físico impõe limitações e riscos, o ambiente virtual permite a escalabilidade das ações criminosas, tornando o estelionato por meios tecnológicos uma alternativa mais lucrativa e segura para as organizações criminosas. Esse fenômeno tem sido observado não apenas no Brasil, mas também em outros países, onde grupos como o Cartel de Jalisco, no México, têm utilizado estruturas de telemarketing para aplicar golpes em grande escala. No Brasil, há indícios de que facções como o PCC e o Comando Vermelho também estejam se adaptando a essa nova realidade, utilizando meios de pagamento como o PIX e contas “laranjas” para suas atividades ilícitas.

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