A Vida nas Ruas: A Experiência de um Entregador no iFood em São Paulo
Correr atrás de bônus, enfrentar decepções e lidar com contratempos, como ter um pneu furado, é parte da rotina intensa dos entregadores que atuam no iFood em São Paulo. Mergulhei na experiência de ser um entregador por sete dias e percorri 16 rotas de bicicleta, na busca para entender o que motiva esses trabalhadores a se entregarem ao jogo dos aplicativos. A busca incessante por ganhar dinheiro é acompanhada por um jogo emocional, onde cumprir metas se torna uma necessidade quase vital.
Assim que se entra no app, a perspectiva muda completamente. As entregas se tornam “rotas” e cada movimento é calculado com o objetivo de maximizar os ganhos. As promoções que oferecem valores adicionais por entrega durante os horários de maior demanda se transformam em verdadeiros desafios. Para entrar no jogo, fiz meu cadastro no aplicativo, um processo relativamente simples. Após a aprovação, uma série de instruções me preparou, mas somente quando a mochila de entrega foi colocada em minhas costas que percebi que o verdadeiro desafio havia começado.
No dia 11 de junho, dei início à minha jornada, completando nove entregas e lidando com situações inesperadas. Desde a coleta de um pedido em uma rua movimentada até as ladeiras desafiadoras de Higienópolis, vi como a geografia da cidade também influencia a corrida por entregas. Além da exigência física, o estômago vazio é uma constante, já que muitos entregadores se alimentam precariamente. Uma pesquisa destacou que a alimentação desses trabalhadores é deficiente em proteína, o que pode afetar sua saúde e, consequentemente, a capacidade de trabalhar.
O cansaço físico e emocional se acumula ao longo do dia. Tentar conseguir uma refeição adequada entre as entregas é um desafio. Após oito horas de trabalho, acumulei R$ 92, uma quantia que mal cobre as despesas de um dia. No entanto, a promessa de um bônus de boas-vindas de R$ 400, caso completasse uma entrega por dia durante sete dias, se apresentou como uma oportunidade irresistível que me levou às ruas mais uma vez.
Os desafios, porém, não acabaram. Um pneu furado resultou em um prejuízo inesperado, subtraindo R$ 33 dos meus ganhos. Mas a experiência trouxe também momentos de irmandade: entregadores mais experientes costumam oferecer ajuda, mostrando a solidariedade que permeia essa profissão. Em meio a uma infraestrutura precária, como a falta de pontos de apoio, as ciclovias emergem como um alicerce de segurança, mesmo que sua presença ainda seja insuficiente.
A competição para se tornar vencedor nesse ambiente hostil é palpável. O aplicativo fica sempre ativo, enviando notificações que incentivam os entregadores a continuarem a trabalhar. Isso tudo gera uma necessidade constante de estar disponível e conectado, um ciclo que parece nunca ter fim. Ao final do desafio, com R$ 149 de entrega, e o bônus em mãos, a luz da dopamina que brilha da conquista parece ofuscar a dura realidade enfrentada.
No entanto, a percepção social sobre a entrega continua a ser um fardo. Apesar de acumular recompensas dentro do aplicativo, a sociedade em geral não vê esses trabalhadores como “vencedores”. Por outro lado, o iFood afirma que não incentiva comportamentos de risco e que as diretrizes são focadas em garantir a segurança dos entregadores.
Assim, ser um entregador é estar em uma linha tênue entre a sobrevivência e o jogo cruel do mercado. A verdadeira vitória não reside apenas no valor ganho, mas na luta diária de homens e mulheres que pedalam pela cidade, buscando dignidade em um sistema que parece se alimenta da urgência e vulnerabilidade de seus trabalhadores.