DIREITOS HUMANOS –

Projeto EnfrentAção: Mães de vítimas de violência policial lutam por justiça e reparação em busca de voz e dignidade

A Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) lançou o Projeto EnfrentAção – Pesquisa e Intervenção Multiprofissional, uma iniciativa voltada para apoiar as mães e familiares de vítimas da violência policial. O projeto, que nasce da escuta ativa dessas mulheres, tem o objetivo de assegurar que elas tenham acesso à justiça, à memória e à reparação social, possibilitando uma nova narrativa em relação às suas perdas. Com a participação de cerca de 150 mulheres de estados como Bahia, Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, a proposta visa transformá-las de meras objeto de pesquisa em pesquisadoras sociais ativas, reforçando suas vozes e experiências.

Durante o evento de lançamento, realizado recentemente, um dos pontos destacados foi a demanda por políticas públicas que garantam o acolhimento das famílias enlutadas e promovam sua reparação psicossocial. O projeto conta com o apoio do Movimento Independente Mães de Maio e do Ministério da Justiça e Segurança Pública, e está previsto que dele resultem um documentário e uma série de protocolos. Além disso, um seminário nacional abordará essas questões em profundidade.

As reuniões entre as participantes ocorrem online, duas vezes ao mês, e são um espaço de partilha das tragédias que vivenciam, permitindo que essas mães se tornem articuladoras de suas histórias. Aline Rocco, supervisora do EnfrentAção, destacou a fragilidade emocional das participantes, que muitas vezes enfrentam insensibilidade, até mesmo em seus próprios lares. Conforme Aline, as cobranças sociais que as mães recebem para seguir em frente muitas vezes são impossíveis de atender, dada a profundidade da dor que carregam.

No auditório da Unifesp, a presença marcante de mulheres com faixas e camisetas em homenagem aos seus filhos serve como um memorial vivo das vítimas. Sandra Barbosa da Silva, uma das líderes da mobilização, chamou a atenção para a brutalidade das execuções, destacando a covardia dos casos em que as vítimas eram alvejadas pelas costas. Ela ressaltou que, além das perdas emocionais, as famílias enfrentam um processo de marginalização e adoecimento, desenvolvendo condições como depressão e síndrome do pânico.

O projeto também levanta importantes discussões sobre a interseccionalidade da violência, principalmente quando se considera o racismo. Participantes como Nivia Raposo trouxeram à tona a questão de como o Estado, em sua abordagem, desumaniza os jovens negros, tratando-os como criminosos, independentemente de suas atividades diárias. Edna Cavalcante, mãe de uma das vítimas da Chacina do Curió, reforçou que as lutas das mães vão além de suas histórias individuais, refletindo uma problemática mais ampla que atinge a periferia.

A médica Silvia Cardenas, que perdeu um filho em circunstâncias similares, enfatizou a necessidade de visibilizar essas tragédias, que não afetam apenas as classes mais baixas, mas estão se expandindo para camadas sociais antes consideradas imunes à violência policial. Ela destacou a urgência de um pedido de desculpas das autoridades, reconhecendo que a perda de um filho acarreta um ciclo interminável de dor e humilhação, exacerbado pela falta de respeito nos trâmites legais.

A luta dessas mulheres não é apenas pela memoração de seus filhos, mas também para que suas vozes sejam ouvidas e que reformas significativas sejam implementadas para prevenir a recorrência dessas tragédias. Com encontros regulares e suporte multidisciplinar, o Projeto EnfrentAção se torna um espaço vital para a construção de uma nova narrativa, permitindo que essas mulheres não só compartilhem suas histórias, mas também se tornem efetivas agentes de mudança em suas comunidades.

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