Uma das mulheres, de 23 anos, revelou que policiais invadiram sua residência, questionando a respeito de sua vida pessoal e proferindo comentários inapropriados. Segundo seu relato, um dos agentes tocou seu corpo de forma inapropriada, revelando o clima de humilhação e abuso que permeou a ação policial. Outro testemunho, de uma manicure que estava acordada até tarde, descreve a cena angustiante em que policiais entraram em seu quarto, levantando seu lençol com a ponta de um fuzil e ameaçando-a, mesmo diante de suas súplicas de inocência.
Esses relatos foram organizados em um relatório intitulado “Atuação da Ouvidoria da Defensoria Pública na Operação Policial realizada no Complexo do Alemão e no Complexo da Penha”, divulgado no último domingo (2). O documento documenta os depoimentos coletados entre os dias 29 de outubro e 1° de novembro, trazendo à tona a realidade devastadora que os moradores desses complexos enfrentaram.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Rio, ao menos 121 pessoas perderam a vida durante a operação, incluindo quatro policiais e 117 civis. A operação, que tinha como alvo o Comando Vermelho, grupo que controla a área, resultou no cumprimento de apenas 20 dos 100 mandados de prisão emitidos pela Justiça e 180 mandados de busca e apreensão.
A atuação policial não se limitou a desmantelar operações do crime organizado; impactos significativos foram sentidos pela população local, que viu escolas e serviços de saúde serem fechados em meio ao caos. A Ouvidoria reportou que a interrupção dos serviços essenciais comprometeu a alimentação de muitas crianças e adolescentes que dependiam da escola para refeições diárias, além de prejudicar idosos e outros cidadãos em tratamento médico.
Os depoimentos coletados também denunciam o uso de casas para práticas ilícitas, além de reiterar casos de tortura e execuções sumárias, evidenciando a recorrente criminalização de lideranças comunitárias e familiares de vítimas. Durante as apurações em campo, os ouvidores observaram corpos em condições que levantam questões sérias sobre a legalidade das ações conduzidas.
Diante dessa situação de vulnerabilidade e medo, o relatório sugere várias medidas para mitigar futuros abusos, como o uso de câmeras em operações policiais, fortalecimento da supervisão externa das ações da polícia e a criação de serviços de apoio psicossocial para famílias afetadas pela violência.
A resposta da Secretaria de Estado de Polícia Militar à situação foi de colaboração plena com as investigações, enquanto demais órgãos competentes ainda não se pronunciaram até o fechamento desta matéria. A persistência de abusos e a necessidade de reavaliação das estratégias de segurança no Rio de Janeiro continuam a ser uma pauta urgente para a sociedade civil e as instituições democráticas.
