Em dezembro, Brasil e Paraguai devem retomar as negociações sobre o Anexo C do Tratado de Itaipu, que regulamenta a distribuição da energia gerada pela usina, um ponto crucial para ambos os países. Atualmente, a energia é dividida igualmente entre Brasil e Paraguai, mas este último consome apenas cerca de 35% da quantidade que lhe é conferida. No entanto, o Anexo C estipula que a energia excedente deve ser enviada ao Brasil, e o Paraguai busca modificar essa cláusula para ter maior autonomia na venda do excedente, frequentemente a preços mais elevados.

Essas negociações voltam a ganhar destaque após meses de paralisação, motivados por alegações de espionagem por parte da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) contra o Paraguai, o que azedou as relações entre os dois países. Recentemente, o chanceler brasileiro Mauro Vieira se reuniu com o paraguaio Rubén Ramírez Lezcano para discutir um relatório sobre a suposta espionagem, o que, segundo Lezcano, encerrou a polêmica em torno do tema.

Paralelamente, os Estados Unidos demonstraram interesse em adquirir essa energia excedente, visando abastecer data centers que suportam inovações em inteligência artificial — uma proposta defendida pelo secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio. Beatriz Bandeira de Mello, especialista em relações internacionais, destaca que essas negociações são estratégicas, mas que o envolvimento dos EUA pode tornar a situação mais complexa, tensionando inclusive outros fóruns regionais como o Mercosul.

Ademais, Mello aponta que o Paraguai, sendo um aliado próximo dos EUA e reconhecendo Taiwan, pode usar essa relação como uma carta na manga nas tratativas, buscando garantias para sua soberania energética. Ela alerta que um possível fracasso nas negociações pode resultar em um aumento nos preços da energia no Brasil, impactando negativamente a competitividade da indústria nacional.

Regiane Nitsch Bressan, professora da Universidade Federal de São Paulo, acrescenta que as relações entre Brasil e Paraguai mudaram, passando de discussões técnicas para um emaranhado diplomático com implicações mais amplas. Para a diplomacia brasileira, a prioridade deve ser o fortalecimento das relações bilaterais, enquanto negociações de infraestrutura e desenvolvimento sustentável podem ser apresentadas como alternativas para mitigar a pressão americana.

Diante de um cenário geopolítico de crescente polarização, a disputa pela influência sobre a energia da usina de Itaipu evidencia as complexas dinâmicas entre potências globais e regionais na América do Sul, onde interesses estratégicos vão além do simples fornecimento de energia.