A rastreabilidade da carne: é possível saber se está livre de desmatamento?
No Brasil, um dos maiores desafios enfrentados por consumidores e produtores de carne bovina é a rastreabilidade. A questão central: como saber se a carne que compramos é proveniente de áreas que não foram desmatadas ilegalmente? Embora não haja uma política pública efetiva para identificar a origem do gado, iniciativas privadas começam a assumir um papel fundamental nessa questão.
Um exemplo significativo vem do Pará, estado que abriga o segundo maior rebanho bovino do Brasil e o mais expressivo da Amazônia. Recentemente, um programa inovador, que utiliza chips para identificar bois, foi implementado em fazendas locais. Sua principal intenção é assegurar que a carne comercializada não contribua para o desmatamento. Esse sistema, que consiste em colocar um chip na orelha dos animais, possibilita rastrear o trajeto e as condições de criação em que eles cresceram, oferecendo maior transparência ao consumidor.
Historicamente, o problema do desmatamento na Amazônia associado à pecuária ganhou notoriedade em 2009 após a publicação de um relatório que denunciava práticas ilegais. Na época, grandes redes de supermercados e marcas de moda se comprometeram a boicotar o consumo de carne e couro derivados de áreas desmatadas. Em resposta à pressão pública, vários frigoríficos assinaram Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) com o Ministério Público Federal, estabelecendo compromissos para não adquirir gado oriundo de áreas ilegais.
Atualmente, apesar de algumas iniciativas de monitoramento, a maioria dos frigoríficos se limita a revisar apenas os fornecedores diretos, ignorando as etapas iniciais do processo. O ciclo da pecuária inclui a cria, em que bezerros são gerados, seguidas pela recria e pela engorda, onde bois magros se tornam prontos para o abate. É comum que os bois sejam criados em propriedades ilegais, mas vendidos posteriormente para fazendas regulares durante a fase da engorda.
O pecuarista Roberto Paulinelli, dono de um frigorífico no Pará, compartilha sua preocupação com o futuro do setor. Ele sabe que a rejeição global à carne proveniente de áreas desmatadas pressiona o mercado, especialmente com novas legislações em países compradores, como a União Europeia, que já proíbe a importação de produtos ligados ao desmatamento.
A adoção de tecnologias, como chips de rastreabilidade, representa um passo na direção certa, mas a implementação ainda esbarra em questões financeiras. Os pecuaristas clamam por políticas públicas que ofereçam incentivos e suporte para expandir esses sistemas. A sobrevivência do setor e a preservação ambiental estão em risco, e encontrar um equilíbrio entre a produção de carne e a conservação das florestas se torna uma tarefa urgente e necessária.