A romantização da exaustão: como ela afeta sua visão sobre seus limites pessoais

Acordar. Lavar o rosto. Comer. Tomar banho e sair para trabalhar. Pegar ônibus, enfrentar o sol e a aglomeração para uma hora depois finalmente trabalhar. Voltar para casa. Comer, tomar banho e nem notar a hora que caiu na cama de tão cansado. Tudo isso se repete, todos os dias, no mínimo cinco vezes por semana. 

Esse é apenas um rascunho da rotina de muitos, isso sem levar em conta os casais com filhos ou as mães solos que não possuem rede de apoio. Apesar do dia exaustivo, o único dia de folga no mês não parece tão atrativo quanto o mantra: “trabalhe enquanto eles dormem”.

Romantizar o excesso de trabalho, estresse e consequentemente de exaustão, está enraizado na sociedade. O ideal de sucesso através da abdicação do tempo livre, e da saúde, é retratado nas novelas, séries, filmes, propagandas de TV e amplamente divulgado nas redes sociais. Assim como também é cobrado nos lares.

“Acaba que romantizamos de uma maneira negativa o olhar e a forma da gente ser um profissional de sucesso. Essa mistura tóxica faz com que a pessoa realmente adoeça”, explica o psicólogo Carlos Gonçalves. 

Trabalhe enquanto eles dormem

Quem são esses tão falados que não descansam, não se divertem e passam as 24h do dia trabalhando? De onde veio esse conceito de que o ser humano não é digno de uma boa noite de sono ou um fim de semana de praia?

Na revolução industrial os homens precisavam competir com as máquinas por uma vaga de emprego. Trabalhavam incansavelmente sem terem seus direitos assegurados para manter a engrenagem das indústrias funcionando. Segundo o historiador Aquino, em algumas fábricas as cargas horárias de trabalho poderiam ultrapassar 15h, sem descanso e sem férias. Além disso, as mulheres e crianças recebiam o mesmo tratamento sendo submetidas às mesmas condições de trabalho.

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Trabalhadores na revolução industrial (Foto: Reprodução/ Internet)

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Trabalhadores na revolução industrial (Foto: Reprodução/ Internet)

Hoje o que pesa mais não é, necessariamente, imposto pelos patrões e grandes corporações. A autocobrança ou a necessidade de se destacar em uma vaga nova de emprego podem fazer com que os limites pessoais sejam ignorados e ultrapassados. Colocando assim o trabalho acima do seu bem estar. 

“Eu não costumo fazer isso, mas fiz para tentar ganhar ‘crédito’ no trabalho. Não foi nada que me fizesse passar realmente mal fisicamente, mas acabei ficando exausto e não recomendo”, afirma o jornalista recém formado Matheus Xavier. 

Para descansar no fim de semana, Matheus às vezes opta por esticar mais sua sexta-feira, mesmo depois de um dia longo de trabalho. Usando as últimas horas do dia para planejar a próxima semana. De acordo com ele, essa foi a maneira encontrada de não acumular serviços e não voltar a ultrapassar seus limites. 

Outra importante potencializadora, da romantização dessa exaustão, é a internet. Através dela você não encontra somente maneiras de se distrair, soluções para dúvidas ou oportunidades de emprego. Também é possível ‘esbarrar’ com fórmulas mágicas de sucesso rápido e eficaz através de sacrifícios duvidáveis. As redes sociais são vitrines, mas nem tudo é tão belo quanto parece e pode confundir e alienar o telespectador que se compara e acaba se frustrando por não conseguir alcançar as mesmas coisas. Assim como reforça o psicólogo Carlos Gonçalves, 56.

“Talvez eu não esteja preparado para fazer tal coisa que determinada pessoa faz, mas cada um é um ser individual. Muitas vezes eu nem sei se quero aquilo que de fato estou olhando dessas janelas que são as redes sociais”, destaca.

Na visão do psicólogo, nesse aspecto, a internet pode trazer um adoecimento mental se a pessoa acabar por apenas querer viver a vida do outro. É preciso observar os sinais desse adoecimento. Tanto físico quanto mental. O corpo fala, basta prestar atenção.

O corpo fala

Quando o ser humano está com fome o corpo envia sinais de que é preciso buscar comida. Assim também quando ele está com sede. Esses sinais geralmente não são ignorados, já os da exaustão são vistos muitas vezes como preguiça. Para reconhecer esses sinais é preciso também se conhecer, entender seus limites e suas dores. Os indícios da exaustão são muitos e podem aparecer através de um cansaço físico ou mental, de arritmia cardíaca, enxaqueca, sudorese e dores nas articulações. Assim como a pessoa pode ficar ansiosa e querer se isolar. 

Infográfico: Thatyana Ferreira

“Isso se chama somatização. O que projetamos na mente o corpo responde”, explica o especialista. 

O jornalista Matheus Xavier, 22, vive isso na prática. Já que ele reconhece que o corpo e a mente estão ligados e respondem um ao outro diariamente. Por isso, buscando não voltar a ultrapassar seus limites, ele se cuida e se observa, mas reconhece que não é uma missão fácil principalmente por estar em dois empregos atualmente.

“Procuro dormir bem, me hidratar, me executar no mínimo três vezes por semana porque  não sei quando vou precisar mais da mente ou do corpo, então tento cuidar dos dois”, salienta. 

É necessário encontrar esse equilíbrio para não enxergar o trabalho como a única coisa importante na vida. Esse é outro sinal importante a ser observado. Quando a vida social, os amigos, a família e o lazer são sempre deixados de lado, o trabalho pode ter virado uma compulsão. E tudo que é repetido em excesso pode ser um alerta de dependência.

“A questão de saúde mental ainda é tratada com uma negligência muito grande porque as pessoas se acham super-heróis acreditando que conseguem contornar, mas isso pode trazer consequências graves”, alerta o especialista.

Uma dessas consequências é a síndrome de burnout, que é crônica e causada pelo excesso de trabalho. Mesmo antes da pandemia, 32% dos trabalhadores brasileiros, o que corresponde a 33 milhões de pessoas, possuem a síndrome, segundo dados fornecidos por uma pesquisa da Associação Internacional de Gestão do Estresse (International Stress Management Association – Isma). A doença se manifesta através de ansiedade, pânico, depressão, alterações no apetite, negatividade constante e outras comorbidades que podem ser observadas pela própria pessoa para que um profissional de saúde mental seja buscado.

Mas se conhecer e perceber essas necessidades não são tarefas simples. Já que requer um mergulho intenso dentro de si para entender seus anseios e descobrir os motivos de uma dedicação cega a determinada função. Uma das possibilidades apontadas pelo psicólogo é a busca pela felicidade e de um futuro estável, busca essa que se for desmedida pode impedir que o presente seja aproveitado.

Se conhecer é o primeiro passo

Uma das maneiras de buscar encontrar o autoconhecimento é a terapia. Meio que foi mais buscado pelos brasileiros durante a pandemia de Covid-19. Números da pesquisa do Instituto FSB revelam que 60% dos brasileiros que fazem terapia começaram durante esse período que aumentou as incertezas e estresses. Fazer acompanhamento psicológico auxilia no olhar para dentro de si e reconhecer o que precisa ser organizado. 

“Muitas vezes tem lugares escuros com os escuros dentro de você e a partir do momento que vai falando que vai colocando para fora que vai ser ouvindo, essas luzes vão se acendendo e você pode encarar de frente os teus medos, os seus traumas e começar a perceber que eles não te definem. E que sim, você tem autonomia e independência para controlar a suas emoções do ponto de vista de você ser uma pessoa muito mais equilibrada emocionalmente”, enfatiza o especialista. 

O psicólogo Carlos Gonçalves ressalta ainda que a partir do momento que a pessoa entende que precisa mudar, as mudanças não podem ser bruscas. É preciso dar um passo de cada vez, diminuir o ritmo aos poucos e voltar a enxergar que ainda existe vida lá fora e que essa vida ainda pode ser aproveitada.

“A terapia me ajuda a perceber o meu esforço e dedicação a tudo que eu faço. Ela me ajuda a olhar para as conquistas e evoluções, das menores às maiores, e isso eu não conseguiria visualizar sozinho. Talvez estaria super frustrado e insatisfeito com tudo”, diz Matheus Xavier e reforça que não pretende largar a terapia nunca. 

A ajuda do terapeuta vai fazer com que a pessoa comece a se perceber, mas dependendo do estágio emocional em que se encontra pode ser necessário a ajuda de um psiquiatra para que medicações sejam ministradas e a ansiedade generalizada, ou demais transtornos, não venham a causar muitos prejuízos no futuro. Buscar ajuda é fundamental. 

A guerra diária com o eu

O tratamento psicológico, ou psiquiátrico, é apenas uma vertente. Além de perceber seus desejos e entender de onde vem os conflitos, sejam da infância ou de relacionamentos tóxicos, também é necessário fazer ajustes no dia a dia. Reorganizar a rotina e iniciar hábitos mais saudáveis como meditação, yoga, ouvir música, caminhada, uma atividade física, conversar com amigos e ter uma boa alimentação.

“Bons hábitos ajudam a melhorar a insônia que é um fator gritante em pessoas que romantizam a exaustão. Uma vez que o sono é prejudicado ele se torna um vilão da tua vida porque uma noite de sono mal dormida traz irritabilidade e frequentes alterações de humor”, adverte o psicólogo.

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Infográfico: Thatyana Ferreira

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Infográfico: Thatyana Ferreira

Ter uma rede de apoio também é importante, porque sabendo que não estará desamparado poderá abrir mão de um trabalho que está sugando suas energias e saúde. Saber que possui esse apoio também pode te ajudar a perceber que não precisa ultrapassar seus limites para se destacar e confiar mais no seu potencial.

“Ter a segurança que não ia passar fome ou necessidades extremas, caso deixasse o trabalho, me fez sentir mais seguro no meu emprego. Também me ajudou a acreditar na qualidade do que eu entrego a partir da prioridade de me sentir bem”, relata Matheus Xavier.

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